A Sanfona de Oito Baixos


Com quantos nomes se faz uma sanfona?





Leonardo Rugero Peres (Léo Rugero)


Ao contrário de países americanos de colonização espanhola, no Brasil, o acordeon diatônico de oito baixos ficou mais conhecido como sanfona de oito baixos. Talvez, a nomenclatura diferenciada pode ter se originado por influência dos colonos portugueses, que não traduziam os nomes dos instrumentos, mas, ao contrário, os reinventavam. 

O acordeon diatônico de oito baixos consiste em um pequeno acordeon formado por vinte e um botões para a mão direita e oito botões para a mão esquerda. Ao contrário de acordeões cromáticos de botões ou acordeões com teclados de piano, o acordeon diatônico é um instrumento bissonoro, ou seja, cada botão, quando pressionado, emite dois sons distintos - um na abertura do fole e outro no fechamento. 
Embora admita inúmeras variantes em relação ao formato e número de botões e baixos, este é o modelo mais difundido entre os praticantes.



Durante o processo de difusão deste modelo de acordeon no Brasil, este instrumento foi recebendo diferentes nomes. Normalmente, eram apelidos regionais, o que constata o fato que este instrumento teve maior acolhida no Brasil entre as populações de baixo poder aquisitivo, sobretudo nas comunidades rurais e de periferias urbanas, durante a 1a metade do Séc.XX.
Entre estes "apelidos", a palavra "sanfona" se tornaria a mais usual entre todas. Uma das razões deste fato é o de que este termo foi utilizado pela indústria fonográfica a partir da década de 1950, quando são gravados os primeiros fonogramas de sanfoneiros de origem nordestina como Gerson Filho, Pedro Sertanejo, Januário e Severino Januário.  Zé Calixto, por exemplo, relata que desconhecia a palavra sanfona em sua terra natal, Campina Grande, Paraíba, onde o termo corrente para designar o instrumento era fole de 8 baixos. Como uma metomínia, o acordeon diatônico passa a ser chamado por uma característica especifica do fole, o fato de ser sanfonado.
Entretanto, na região sul do Brasil,   gaita-ponto é o termo utilizado para nomear o acordeon de botões, enquanto gaita-piano ou gaita-pianada, é o termo utilizado para designar os acordeões de teclado. 
Também devemos mencionar alguns termos curiosos, que surgem no linguajar comum. "Gaita de duas conversas" é uma delas. Esta alcunha se refere ao fato que as sanfonas de oito baixos são instrumentos bissonoros, isto é, um mesmo botão produz duas notas: uma ao abrir o fole, enquanto que ao fechar o fole, emite outra nota .
Entre os portugueses, sempre houve uma tendência a nomear um instrumento pertencente à determinada família, por outro instrumento, de outra família. Exemplo muito difundido são os termos viola e violão, para designar respectivamente, as guitarras de cinco e seis ordens, criando assim uma verdadeira confusão onomástica na língua portuguesa, onde temos a palavra viola designando tanto a viola-de-arco, pertencente à família das violas, bem como a viola "caipira" pertencente à família das guitarras. Do mesmo modo, a palavra concertina se consagrou como a maneira mais usual de denominação do acordeon diatônico em Portugal.
Em algumas localidades do Brasil, Concertina também é de uso corrente, o que se confirma pelo nome artístico de alguns instrumentistas como Manoel da Concertina. Talvez esta verificação tenha levado o etnomusicólogo Thiago de Oliveira Pinto a aceitar este termo, inclusive, adotando-o em seus escritos sobre o forró. No entanto, em termos estritos, a concertina se trata de outro instrumento aerófono com características distintas de nossa sanfona, mais próximo ao bandoneon. Por sua vez, para confundir as coisas ainda mais um pouco, a palavra sanfona, em Portugal remete a outro instrumento, muito distinto de nossa sanfona, e pertencente à família das vielas-de-roda.
Algumas expressões de origem popular são muito curiosas. "Pé-de-bode" é uma delas, usada indistintamente nas regiões Sul e Sudeste. Um dos raros estudiosos do instrumento, John Murphy, faz uma interessante observação sobre esta alcunha, que, conforme explica o autor "relembra os dias quando o instrumento tinha somente dois baixos; A analogia parece relacionada com as patas de bode serem divididas em duas partes"(2006,p.104). Ainda hoje, sanfonas de dois baixos são utilizadas na Itália, sobretudo na interpretação de tarantellas, e sanfonas de quatro baixos no cajun do sul dos Estados Unidos.

Testa-de-ferro é outro apelido curioso, comum, sobretudo no sul de Minas Gerais, e parece indicar os antigos modelos de sanfonas de 8 baixos (vide foto acima), que não eram abauladas na frente ou nas extremidades. Estes modelos também são conhecidos por caixotinhos.
Também curiosos são os apelidos botuada ou botoadeira, devido ao instrumento ser construído sem teclado, unicamente com botões.
Afinal, como chamar este instrumento que se esconde atrás de tantas denominações? 
Abaixo, uma lista com alguns dos nomes mais utilizados para designar a sanfona de 8 baixos:


acordeona de 8 baixos
botuada
botuadeira
cabeça de égua
caixotinho
concertina
cordeona de 8 baixos
fole-de-8 baixos
gaita-ponto
gaita de colher
gaita de duas conversas
harmônica
harmônio
pé de bode
pé de orelha
pescoço de cabra
realejo
testa de ferro
verduleira



REFERÊNCIAS:


livros:Murphy, John. Music in Brazil. New York: Oxford, 2006.
Oliveira, Ernesto Veiga de. Instrumentos populares portugueses.


Internet



Peres, Leonardo Rugero. A sanfona de 8 baixos e a musica instrumental, In Musicos do Brasil: Uma enciclopédia. Petrobrás,2008.



CDs:

Azevedo, Téo. In “Zé Calixto - 40 anos de forró”. Montes Claros: Pequizeiro,1999.
Pinto, Thiago de Oliveira. In: Pé de Serra forró band. Berlim: Wergo, 1992

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