Fole de Oito Baixos

Leo Rugero e Ze Calixto p

A sanfona de oito baixos é um dos instrumentos matriciais do forró, sendo o instrumento que marca a infância de Luiz Gonzaga e a fundamentação do estilo da sanfona nordestina.
De acordo com o musicologo paraibano Batista Siqueira, a sanfona de oito baixos teria substituído a viola de arame, se tornando o principal instrumento solista nos bailes rurais da região Nordeste na virada do Séc.XX.
Nesta região, este pequeno acordeon de origem vienense, composto por vinte e um botões para a mão direita e oito botões para a mão esquerda, seria mais conhecido como “harmônica de oito baixos”, “fole de oito baixos”, “pé de bode”, “concertina” ou, simplesmente, “ fole”.
 Luiz Gonzaga, descrevendo os talentos de seu pai, Januário, descreve que ele “tinha duas habilidades, pegava no bacamarte e tocava sanfona, para divertir a cabroeira nos dias de sábado e domingo”. Conseqüentemente, também foi o primeiro instrumento do rei do baião. Em 1920, quando contava com apenas oito anos de idade, Gonzaga adquiriu sua primeira sanfona, um fole de oito baixos da marca alemã Koch. Portanto, embora este instrumento tenha se difundido por toda a região Nordeste, foi mais precisamente na Fazenda Caiçara, no sopé da Serra do Araripe, em Pernambuco, que o fole de oito baixos entraria definitivamente para a história da música nordestina.
O velho Januário, não era apenas um afamado sanfoneiro, também sendo reconhecido como um requisitado afinador de sanfonas. Então, durante sua infância e adolescência, o menino Gonzaga cresceu entre os pequenos foles de oito baixos e seus intrincados sistemas de botões. Luiz Gonzaga descreve em suas memórias que se “aproveitava das velhas harmônicas” que seu pai consertava, e, aos poucos, já era capaz de tocar “qualquer marca, qualquer tipo, fosse simples, si bemol ou semitonada”.
Naquela época, no Nordeste, ainda não haviam se difundido os modernos acordeões com teclados de piano para a mão direita e 120 baixos para a mão esquerda, que se tornariam o instrumento principal do forró pé de serra, sobretudo a partir da consagração fonográfica e radiofônica de Luiz Gonzaga, anos mais tarde, no final da década de 1940.
“Si bemol” ou “transportada” é a designação popular para a afinação específica que se consagraria como a maneira nordestina de afinar as sanfonas de oito baixos. Até hoje, a origem deste sistema é algo que se perde na noite dos tempos. Examinando sanfonas remanescentes da época de Januário, foi possível constatar que esta afinação já estava presente na região Nordeste ainda nas primeiras décadas do séc.XX, como atesta a história oral relatada por Luiz Gonzaga.
O repertório tradicional da sanfona de oito baixos da região Nordeste se constituiria basicamente de música predominantemente instrumental relacionada às danças praticadas nos bailes rurais nos albores do séc.XX. Parte considerável destas danças eram de origem européia, tal como a scottish – que se transformaria em xote, e a quadrilha – que se tornaria o arrasta-pé. Porém, também surgiriam danças de possível origem autóctone, como o xaxado e o baião – este último, presenciado por Euclides da Cunha em seu relato sobre a Guerra de Canudos, no final do séc.XIX. O poeta e jornalista Bráulio Tavares reforça esta perspectiva, ressaltando que os “forrós sertanejos eram animados quase sempre por música instrumental.(…) Além dos temas instrumentais, também surgia um grande número de canções folclóricas, que estavam na memória de todos, e eram cantadas em conjunto”.
Para muitos, o repertório de sanfona de oito baixos corresponde ao que há de mais antigo e tradicional no baile nordestino. Provavelmente, esta crença reforça a impressão de que a sanfona de oito baixos esteja constantemente associada ao passado rural e arcaico, ainda que se considere que tenha substituído instrumentos predecessores como a viola, o pife e a rabeca.
Em 2012, tive a felicidade de ser contemplado pelo "Prêmio FUNARTE Centenário de Luiz Gonzaga 2012". Então, pude dar asas à um sonho: a filmagem de um documentário de media metragem sobre a sanfona de oito baixos na região Nordeste. O argumento deste filme era refazer o percurso de minha pesquisa de campo que havia permeado a dissertação de mestrado intitulada “Com Respeito aos Oito Baixos”, realizada na Escola de Música da UFRJ, entre 2009 e 2011.
Através do incentivo da FUNARTE, pude, ao lado de dois cinegrafistas – Débora Setenta e Marcílio Costa, um assistente de câmera – André Fontes e um motorista – Silvério Candido, retornar à Paraíba, Ceará e Pernambuco, em alguns dos principais cenários por onde a sanfona de oito baixos continua a ser tocada e reinventada, através das mãos de hábeis tocadores. No filme, se destacam as participações de Joquinha Gonzaga, representando a dinastia da família Gonzaga; de Nego do Mestre, sábio conhecer do passado musical da região Nordeste; de Zé Calixto, Luizinho Calixto, Bastinho Calixto, João Calixto, Abdias, Geraldo Correia e Arlindo dos Oito Baixos, importantes sanfoneiros reconhecidos por suas atividades profissionais como grandes solistas deste difícil instrumento; de jovens tocadores como Antonio da Mutuca e Ivison Santos, prova viva de que o “roncado” dos oito baixos ainda ressoa forte no solo nordestino.
Para mim, o maior trunfo deste projeto foi ter sido realizado o lançamento oficial deste documentário na Praça da Matriz, em Exu, cidade natal de Luiz Gonzaga, no dia 12 de junho de 2013, graças a Lello Santana, Marlla Teixeira e Helenilda Moreira - que assumia o cargo de secretária de Cultura do município de Exu. Foi como retornar ao solo sagrado, “de onde veio o baião” e levar toda essa história ao caminho de volta para o cenário de onde surgiu aquele ser iluminado chamado Luiz Gonzaga do Nascimento, que, caso não tivesse existido, provavelmente, não estaríamos dançando, cantando, tocando, escrevendo e falando sobre forró, tal como fazemos hoje em dia no Brasil.
Assim, “Com Respeito aos Oito Baixos” é uma viagem ao âmago, ao cerne que sustenta e fundamenta os primórdios da sanfona na região Nordeste.

5 comentários:

  1. Muito admirador do fole de 8 baixos, apesar de não saber tocar, mas gosto muito de ouvir as musicas tocadas em 8 baixos por Severino Januário, Gerson Filho, Abdias e tantos outros.

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  2. Parabéns pela sua iniciativa. Meu primo tem uma sanfona de 8 baixos, antiga, italiana, com o retrato de seu fabricante estampado no corpo desse instrumento. Gostaria de poder contar com o senhor para informar-me onde comprar material alusivo ao ensino desse tipo de instrumento, CD e DVD de músicas,etc. Grato, José Evaristo.

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    1. Olá José Evaristo, temos a venda um método de fole de oito baixos. Para mais detalhes, pode entrar em contato pelo zap 21 999551849

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  3. Grande Léo, forte abraço o amigo estimado.

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  4. Sou encantado pela a sanfona koch veado de 8 baixos quero ver a história dela meu nome é Vilmar Soares dos santos

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